Qual é o verdadeiro custo de um carro próprio?

Neste artigo analiso a importância do transporte no orçamento familiar, as diferentes componentes do custo total de um carro e o que podemos fazer para reduzir os custos associados ao mesmo. Sabes quanto pesa o teu carro no orçamento familiar? Estás a pensar comprar carro novo, mas preocupado com os custos?

Vamos a isto.

Orçamento familiar

O transporte representa, a par das despesas com alimentação, a segunda maior fatia do orçamento das famílias portuguesas, só atrás dos custos relacionados com habitação.

Com um peso a variar entre os 13% do orçamento das famílias açorianas e os 15.5% das famílias da Zona Centro, os portugueses gastam em média 13.4% do seu orçamento em transporte, um valor acima da média europeia. A isto não é alheio o facto dos portugueses utilizarem muito menos os transportes públicos do que os seus congéneres europeus:

Apenas 10,9% dos quilómetros percorridos em território nacional foram feitos através de transportes públicos – valores que comparam com os 17,1% fixados como média europeia

O carro é assim um dos grandes custos dos portugueses.

Os custos de um carro

O verdadeiro custo de um carro para o nosso bolso não é evidente, uma vez que as várias componentes do gasto total ocorrem em momentos distintos e com diferentes frequências.  O que é relativamente óbvio é que as despesas associadas a um carro são várias, desde o seu preço de compra, aos impostos a pagar, passando pelos combustíveis (ou energia) e manutenção periódica:

Da tabela acima, podemos tirar algumas conclusões:

  • O preço de aquisição do veículo, bem como o ISV, são custos em que incorremos no ato da compra do carro (embora o mesmo possa ser pago a prestações). Os restantes custos surgem posteriormente
  • A maioria dos items, incluindo os mais dispendiosos, varia significativamente em consequência do modelo do carro escolhido

Carros mais vendidos e o seu preço

Na primeira metade de 2021, existiram 22 modelos de carros cujo volume de vendas foi superior a 900 unidades em Portugal. Os preços de base destes veículos variam entre os 9.305€ (Dacia Sendero) e os 45.380€ (BMW Série 3), preço ao qual acresce Imposto Sobre Veículos (ISV), entre 267€ e 5.665€ para os modelos indicados. Desta forma, o preço total de aquisição do carro oscila entre os 51.000€ do BMW Série 3 e os 9.700€ do Dacia Sendero:

Ao sair do stand, o carro começa imediatamente a desvalorizar. Como aproximação geral, a desvalorização é de:

  • 20% a 30% no primeiro ano
  • 15% a 18% nos anos seguintes
  • 15% ou menos a partir do 6º ano.

Estes valores podem variar consoante a marca e o modelo, mas refletem uma boa aproximação da média do mercado. É expectável que após 5 anos um carro tenha perdido cerca de 60% do seu valor:

O coeficiente de desvalorização dos veículos indica-nos que um BMW Série 3 desvaloriza cerca de 9.000€ no primeiro ano, 27.100€ ao final de 5 anos (5.420€/ano) e 37.250€ ao final de 10 anos (3.725€/ano). A estes valores acresce o já referido ISV pago à cabeça. Já um Renaut Clio perde 3.600€ se revendido ao final de um ano, 2.150€/ano se utilizado durante 5 anos e 1.475€/ano se o seu dono o conduzir durante dez anos. Os números apontam não só para uma diferença enorme entre um Renault Clio e um BMW Série 3 (150% mais oneroso), mas também entre manter o carro por um ano, cinco anos (40% mais barato) ou 10 anos (59% mais barato). Muitos poderão dizer que os dois automóveis não são comparáveis, mas a verdade é que cumprem a mesma função básica de transporte do Ponto A até ao Ponto B. Em 1999, o fundador da Amazon, Jeff Bezos, na altura já multibilionário, conduzia um Honda Accord que o próprio descrevia como “a perfectly good car”.

Olhando a quatro modelos de entre os 22 mais vendidos (o mais caro – BMW Série 3, dois de preço intermédio – Citroen C4 e Renault Clio – e o mais barato Dacia Sendero), podemos ver graficamente o custo anual do veículo a variar consoante o carro comprado e o número de anos em que o possuímos (antes de revender ou abater):

Um par de coisas saltam à vista neste gráfico:

  • Um carro de 50.000€ nunca será económico, mesmo que utilizado por muitos anos. Se revendido ao final de 10 anos, o dono de um BMW Serie 3 terá um custo anual de quase 4.300€ em cada um dos 10 anos de utilização (antes de contabilizar seguros, gasolina, manutenção, etc)
  • A diferença entre um veículo de 18.000€ (Renault Clio) e um de 24.000€ (Citroen C4) é importante em curtos períodos de utilização, mas esbate-se para menos de 50€/mês se os veículos forem utilizados por 8 ou mais anos (o que é o caso para muitos portugueses).

Custos adicionais

Mas, como vimos, o preço de aquisição e o ISV não são os únicos gastos associados a um veículo. A estes acrescem manutenção, seguro, combustíveis e inspeção, que acrescentam mais 1.800€ a 2.500€ ao custo anual de um automóvel próprio.

Assim, assumindo uma rodagem anual de 9.000km (a quilometragem média para os carros portugueses) e segurando o veículo contra danos próprios (e não apenas danos a terceiros), o custo anual de um BMW Série 3 utilizado durante 10 anos dispara de cerca de 4.300€/ano para mais de 6.750€/ano:

Custo total do carro

Chegado a este ponto, já conhecemos as diferentes componentes do custo de um carro e percebemos que a maioria varia em função do modelo e tipo de utilização do veículo. Mas qual é então o seu custo mensal total? Para calcular um valor definitivo, considerei:

  • Os veículos apresentados representam o modelo básico de cada carro, excluindo extras
  • O carro é adquirido a pronto pagamento, excluindo-se assim custos dos juros associados a crédito aumotóvel
  • O veículo é utilizado por um período de 13 anos (equivalente à idade média do parque automóvel de ligeiros de passageiros português) e ao final desse período o seu dono recupera 11% do valor de aquisição original
  • A utilização anual do veículo é de 9.000km (quilometragem média anual do condutor português)
  • O combustível do veículo é Gasolina sem chumbo 95, com um custo de 1.797€ por litro.
  • O seguro adquirido protege o condutor contra danos próprios (vulgo “seguro contra todos os riscos”)
  • Não foram considerados custos associados a estacionamento e portagens

Com estes pressupostos, o custo mensal de um veículo varia entre os 200€ e os 500€:

200€ a 500€ é então o intervalo realista para o custo mensal de um carro em Portugal. Não é um valor negligenciável para um país onde o salário médio é de 1.314€/mês e onde um T1 pode custar abaixo de 500€ em cidades importantes do país. Mas será possível reduzir os custos de transporte automóvel?

Alternativas

Tradicionalmente, fora dos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, era difícil evitar a utilização do automóvel pessoal. Contudo, a chegada e expansão do TVDE (Transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica) ao nosso país tem vindo a democratizar o acesso a transportes partilhados. A Uber encontra-se presente em 21 localizações em Portugal, aos quais acrescem mais algumas apenas disponíveis na plataforma Bolt.

Por forma a melhor racionalizar os 502€/mês do BMW Série 3 e os 255€/mês do Renault Clio calculados no gráfico anterior, tentei perceber como compara o custo por quilómetro destes veículos com o custo por quilómetro de viagens em Bolt e Uber. Como sempre, quanto maior o número de anos (e quilómetros) percorridos num carro pessoal, menor o custo por quilómetro. Já as viagens Uber e Bolt têm o mesmo preço quer o utilizador use a plataforma há 10 anos ou quer a tenha começado utilizar no mês passado:

Surpreendemente, ou não, o custo por quilómetro de um BMW Série 3 é superior ao custo de viagens Uber/Bolt, caso o carro seja revendido nos seus primeiros 13 anos (em Lisboa), ou 6 anos (fora de Lisboa e Porto). Quer isto dizer que é mais barato realizar 9.000 quilómetros por ano durante 6 a 13 anos em TVDE, do que adquirir um BMW Série 3, pagar seguros, combustíveis e manutenção, e revendê-lo no final desse período. É claro que existem limitações associadas ao uso de transportes públicos que não se verificam com o carro próprio, como por exemplo a realização de viagens de longa distância, mas os dados não deixam de ser relevantes.

Já para o Renault Clio, verifica-se que a sua compra é uma opção mais económica do que a utilização de TVDE, excepto caso o veículo seja revendido ao final de um ano e o seu condutor esteja localizado em Lisboa.

Conclusão

O transporte representa uma fatia importante dos custos das famílias portuguesas, com um carro próprio a dificilmente custar menos de 250€/mês, quando todos os seus custos são considerados. A decisão sobre comprar ou não um veículo, bem como que veículo comprar, deve ser seriamente ponderada, tal como é a compra de uma casa. Após adquirido, um veículo deve ser utilizado pelo maior número de anos possível, idealmente até que as condições de segurança o permitam.

É razoável pensar que muitas famílias necessitam de um carro próprio, mas a aquisição de um segundo ou terceiro veículo poderá, em muitas situações, ser dispensada. Famílias em que um condutor realize um reduzido número de quilómetros por ano (até 5.000km) acabarão por poupar dinheiro se substituirem a compra de um carro pela utilização pontual de transportes públicos, TVDE e alugueres de curta duração.

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