O que são Obrigações e como escolher um ETF?

Neste artigo procuro apresentar aos investidores particulares o papel e as características que obrigações devem ter num portfolio, ajudando posteriormente a identificar os ETFs de obrigações que melhor se adequem às necessidades de cada investidor.

Conteúdo

O que são Obrigações?

Obrigações são títulos de dívida criados quando um investidor empresta dinheiro à entidade emitente (normalmente um Estado ou uma empresa). A emissão de obrigações permite à entidade emitente investir em infra-esturturas ou novos projetos e tem como contra-partida o pagamento de juros ao investidor. Para além dos juros, também a duração do investimento fica definida à priori.

Assim, um investidor que adquira 1.000€ de obrigações com taxa de juro de 3%/ano a 5 anos pode esperar os seguintes cash-flows:

PeríodoOcorrênciaMontante
HojeCompra da Obrigação-10.000€
Após 1 anoRecebimento do cupão anual+300€
Após 2 anosRecebimento do cupão anual+300€
Após 3 anosRecebimento do cupão anual+300€
Após 4 anosRecebimento do cupão anual+300€
Após 5 anosRecebimento do cupão anual+300€
Após 5 anosDevolução do montante investido+10.000€

O que é um ETF de obrigações?

Os ETF de obrigações seguem uma lógica semelhante aos conhecidos ETFs de ações. Da mesma forma que um ETF de ações permite ser dono de uma pequena parte de centenas ou milhares de empresas, um ETF de obrigações permite investir simultaneamente em títulos de dívida de centenas de países, Estados e empresas.

Os ETF de obrigações têm como grande atrativo o facto de permitirem obter diversificação a diferentes entidades emitentes de dívida, diferentes horizontes temporais e diferentes níveis de risco de crédito (e consequentemente diferentes taxas de juro). Por este motivo, estes ETFs tipicamente oferecem um Retorno Ajustado ao Risco no Capital superior ao de obrigações individuais.

Porque sobem e descem os preços das obrigações e ETFs?

As obrigações podem ser transacionadas no mercado secundário, incluindo a Bolsa de Valores de Lisboa. Para quem adquire uma obrigação no momento da emissão e a planeia guardar em carteira até à sua maturidade, como é o caso no exemplo acima (5 anos), a flutuação do valor da obrigação é pouco importante. Contudo, para quem compra obrigações ou ETFs de obrigações na bolsa, esta flutuação de preços é relevante.

Existem três importantes factores que fazem flutuar a cotação de uma obrigação:

  1. Alteração nas taxas de juro
  2. Alteração na qualidade do crédito (risco de mau pagamento)
  3. Incapacidade do emitente em reembolsar o valor do investimento (falência)

Quando as taxas de juro descem, a cotação das obrigações sobe e vice-versa. No exemplo acima, investir 10.000€ na obrigação em questão a 3%/ano geraria 300€ de juros anuais. Se as taxas de juro de empresas ou países com a mesma qualidade de crédito descerem para 2%, os investidores conseguiriam apenas 200€ de juros anuais para o mesmo nível de investimento e risco.

Nesse cenário, um investidor estaria disposto a pagar mais de 10.000€ para adquirir a obrigação que gera 300€ de juros por ano. Por exemplo, se o investidor comprar essas obrigações por 10.500€ no mercado secundário, o juro anual de 300€ representará 2.85%/ano de retorno no seu investimento, uma opção preferencial à aquisição da uma nova obrigação com taxa de juro de 2%. De notar que estes são cálculos simplificados e seria necessário considerar que, aquando da maturidade da obrigação, o investidor recuperaria apenas 10.000€ e não os 10.500€ que pagou pelo título.

Relativamente à qualidade do crédito da obrigação, se a mesma se reduz, também a cotação da obrigação se desvaloriza. O rating de uma obrigação pretende ilustrar a probabilidade do investidor receber de volta o seu capital. Se a perspectiva de um país ou empresa pagarem os seus créditos se deteriorar, os investidores poderão optar por emprestar o seu capital a entidades emitentes com melhores garantias de bom pagamento.

A cotação de um ETF de obrigações varia em confirmidade com a cotação das obrigações que constituem esse mesmo ETF.

Qual o papel das obrigações num portfólio?

As obrigações desempenham um papel importante no portfolio dos investidores mundiais. Com um total de 123 triliões de dólares no final de 2021, o mercado de obrigações é ligeiramente maior do que o mercado de ações (118 triliões de dólares à mesma data).

O portfolio 60/40 é provavelmente o portfolio mais famoso do mundo, sendo constituido por 60% de ações e 40% de obrigações. Num portfolio 60/40, cabe às ações gerar os mais elevados retornos e às obrigações fornecer estabilidade e reduzir a perda em momentos de queda das ações.

Nas últimas 7 vezes em que o índice de ações MSCI World fechou o ano em território negativo, as obrigações tiveram um contributo importante para a estabilidade do portfolio 60/40:

Assim, num portfolio diversificado, os investidores devem alocar a ações a porção do portfolio com a qual se sintam confortáveis em tomar maior risco, deixando o restante montante do investimento para ativos de menor risco, como obrigações e depósitos.

Quais os aspetos a considerar na escolha de um ETF de obrigações?

Existem centenas de ETFs de obrigações disponíveis para os investidores europeus, pelo que se torna necessário perceber que considerações devemos ter em conta quando chega o momento de escolher um ETF. Existem 5 considerações principais a analisar:

  1. Horizonte temporal
  2. Diversificação geográfica
  3. Risco de crédito
  4. Tipos de entidade emitente
  5. Características do ETF (custo, património sob gestão, política de distribuição ou acumulação de cupões)

Horizonte temporal

Os Estados e as empresas emitem dívida no horizonte temporal que melhor se adequa às suas necessidades. Assim sendo, existem obrigações para todos os gostos:

  • Curto prazo: Maturidade até 5 anos
  • Médio prazo: Maturidade entre 5 a 10 anos
  • Longo prazo: Maturidade superior a 10 anos

As obrigações com maturidades a longo-prazo acarretam maior risco, pois estão mais expostas a alterações inesperadas de taxas de juro e riscos de falência. Tendo maior risco, apresentam também maior rentabilidade.

Ao investir num ETF de obrigações, um investidor deve ter em conta o horizonte temporal do seu investimento e escolher um ETF com duração média equivalente a pelo menos metade do seu horizonte temporal:

  • Um investidor que pense vender as suas obrigações ao final de 3 anos, deve escolher um ETF com duração média de 2 ou 3 anos
  • Um investidor que invista a 10 anos, deve escolher um ETF com duração na casa dos 5-8 anos
  • Um investidor a mais longo-prazo pode focar-se em ETFs com duração de 8 ou mais anos

Como vamos ver mais abaixo, ao seguir esta regra, o investidor poderá prever com boa precisão o retorno do seu investimento em obrigações.

Diversificação geográfica

A composição geográfica dos ETFs de obrigações varia de forma muito semelhante à dos ETFs de ações, podendo incluir obrigações emitidas num só país, numa só região ou em dezenas de países pelo mundo fora:

ETFs de obrigações internacionais oferecem diversificação superior, sem que isso implique uma redução do retorno dos investidores. Contudo, quando os mesmos incluem emissão de dívida em moeda estrangeira, o investidor deve ter o cuidado de escolher a versão dos ETFs que oferece cobertura do risco cambial (EUR currency hedged).

Risco de crédito

Os países e empresas que emitem obrigações são classificados com uma notação de risco, permitindo aos investidores compararem mais facilmente a qualidade do crédito entre as diferentes entidades. Estas notações têm por base os níveis de dívida, histórico de bom pagamento das entidades e rentabilidade (no caso das empresas).

As notações de risco são atribuidas por agências de rating, sendo a Standard and Poor’s, a Moody’s e a Fitch as mais famosas destas agências. As notações variam entre AAA (mais elevada qualidade de crédito) e D (créditos em moratória).

No que ao risco de crédito diz respeito, as obrigações dividem-se em dois grupos:

  • Entidades com notação entre AAA e BBB-: Grau de investimento
  • Entidades com notação entre BB+ e D: Crédito de grau especulativo

Sem surpresa, uma vez que o crédito de grau especulativo acarreta maior risco, os produtos associados a esta qualidade de crédito são também emitidos com taxas de juro mais elevadas, aumentando o retorno potencial do investidor. Contudo, conforme indiquei acima, o papel das obrigações num portfolio é o de fornecer estabilidade e não o de aumentar retornos. Por este motivo, eu invisto apenas em ETFs compostos exclusivamente por obrigações com notação de grau de investimento (De AAA até BBB-).

Tipos de entidade emitente

Conforme indicado acima, as obrigações podem ser emitidas por países ou empresas, fazendo com que existam 3 tipos de ETFs de obrigações:

  • ETFs de dívida de governos – Constituidos unicamente por obrigações de governos
  • ETFs Aggregate – Constituidos por obrigações de governos e de empresas
  • ETFs de dívida Corporate – Constituidos unicamente por obrigações de empresas

As obrigações emitidas por governos oferecem o nível máximo de proteção, mas também o nível mínimo de rentabilidade, podendo mesmo as yields de emissões governamentais serem negativas.

ETFs Aggregate, desde que incluindo apenas entidades com notação de grau de investimento, são produtos de elevada qualidade que permitem gerar um pouco mais de rentabilidade do que ETFs de dívida exclusivamente governamental. Estes produtos tendem a incluir 60% a 70% de dívida governamental (sendo o resto Corporate) e estão entre os que uso no meu portfolio.

Características do ETF

Tal como no caso de ETFs de ações, existem algumas caraterísticas dos ETFs de obrigações para as quais devemos olhar antes de investir no produto. São elas:

  • Disponibilidade – Devem estar disponíveis na corretora por nós utilizada
  • Custos – O menor possível, com TER não superior a 0.25%/ano
  • Ativos sob gestão (Património) – O maior possível, preferencialmente acima de €500M
  • Política de distribuição – Acumulação ou Distribuição, conforme preferência do investidor

Quão previsíveis são os retornos das obrigações?

Já vimos neste artigo que o retorno de uma obrigação é altamente previsível para quem adquire a obrigação no momento de emissão e planeia guardá-la em carteira até à sua maturidade. Contudo, quando negociadas no mercado secundário, a cotação das obrigações está sujeita a subidas e descidas de preço. As boas notícias são que, também nestes casos, o retorno das obrigações pode ser muito previsível.

Em 2018, a T. Rowe Price, uma gestora de ativos, comparou a yield-to-maturity das obrigações (uma medida conhecida no momento da sua compra na bolsa) com o retorno dessas mesmas obrigações até à sua data de maturidade (link para o estudo). O estudo concluiu que, para obrigações de maior qualidade (grau de investimento) e obrigações que incluam cobertura do risco cambial, as Yield-to-maturity (YTM) atuais estão altamente correlacionadas com a rentabilidade futura. No caso destas obrigações, a YTM atual tem uma correlação superior a 0.85 com a rentabilidade das obrigações no final da sua duração, aumentando esta correlação para 0.96 no período pós-duração:

Assim, para obrigações de elevada qualidade (grau de investimento) e com cobertura de risco cambial (ou sem risco cambial, caso sejam todas emitidas na nossa moeda), a Yield-to-maturity atual é um indicador muito fiável da rentabilidade média anual das obrigações entre o dia de hoje e o final da sua duração.

Quais os melhores ETFs de obrigações disponíveis?

Até aqui já vimos que:

  • ETFs de de obrigações oferecem um Retorno Ajustado ao Risco no Capital superior ao de obrigações individuais
  • Obrigações ajudam a estabilizar um portfolio diversificado em anos de quebra no mercado de ações
  • ETFs de obrigações internacionais oferecem uma diversificação superior, sem que isso implique uma redução do retorno dos investidores
  • Obrigações com notação de grau de investimento e cobertura do risco cambial (ou sem risco cambial) têm retornos altamente previsíveis num período temporal igual ou superior à duração das obrigações
  • Um investidor que invista a 10 anos, deve escolher um ETF com duração na casa dos 5-8 anos


Dadas estas características, listo abaixo uma selecção daqueles que considero os melhores ETFs de obrigações. Todos eles têm:

  • Elevada diversificação (entre 350 a 9.500 obrigações no ETF)
  • Elevada qualidade (exclusivamente grau de investimento)
  • Cobertura de risco cambial (EUR Hedged) ou sem risco cambial (emitidas em Euros)
  • Baixo custo (TER não superior a 0.25%/ano)
  • Duração entre 5 e 8 anos

Desta lista, o ETF que considero a melhor opção e tenho no meu portfolio é o Vanguard Global Aggregate Bond UCITS ETF EUR Hedged Accumulating (VAGF). A minha escolha deve-se a:

  • TER (0.10%) entre os mais baixos da lista
  • Segunda Yield-to-maturity mais elevada da lista (3.8%/ano a finais de Junho de 2022)
  • 44% do valor do ETF associado à mais elevada notação de crédito: AAA

Dito isto, acredito que qualquer um dos ETF listados é uma boa opção para um portfolio diversificado de ações e obrigações.

Conclusão

As obrigações e ETFs de obrigações não têm de ser dificeis de entender: representam títulos de dívida e têm associadas a si taxas de juro, prazos e qualidade de crédito. Os investidores dispõem de diversas opções de ETFs de obrigações e podem escolher aqueles que melhor satisfaçam as suas necessidades.

Pela sua previsibilidade, obrigações devem fazer parte de um portfolio equilibrado de ativos e historicamente os investidores têm visto quebras de ações compensadas pela estabilidade das suas obrigações em carteira.

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