Neste artigo apresento o conceito de alocação de ativos (asset allocation em inglês), explico porque é indispensável e como pode ser adoptado e ajustado ao longo do tempo.
Traços gerais
A alocação de ativos consiste na repartição dos ativos que compõem o património de um investidor em diferentes proporções, tendo em conta a tolerância ao risco do investidor, os seus objectivos pessoais, a sua idade e o horizonte temporal de investimento.
A alocação de ativos deve ser a primeira decisão aquando da construção de um portfolio e o seu impacto é mais significativo do que as ações ou ETFs específicos que se escolhem posteriormente (de pouco serve investir num produto que valorize 500% se o mesmo representar apenas 2% do nosso portfolio). Numa análise a 82 grandes fundos de pensões, Brinson, Singer e Beebower concluíram que a política de alocação de ativos foi responsável por 91% da variação de rendimentos entre esses diferentes fundos.
Estratégias de alocação de ativos
Estando estabelecida a importância da alocação de ativos, listo em seguida algumas estratégias que nos permitem definir o peso relativo que ativos como imobiliário, ações, obrigações, commodities e numerário devem ter no nosso portfólio. 4 estratégias comuns de alocação de ativos são:
- Alocação com base nas despesas
- Alocação com base na idade
- Alocação com base nos objectivos financeiros
- Alocação com base em capital mínimo garantido
1. Alocação com base nas despesas
A alocação com base nas despesas toma em consideração custos importantes e conhecidos no curto e médio prazo e, em seguida, aloca a esses montantes ativos cuja volatilidade melhor se ajusta ao horizonte temporal do custo, nomeadamente:
Horizonte temporal do custo | Ativo usado para cobrir o montante do custo |
0 a 12 meses | Numerário ou depósitos de curta duração |
1 a 3 anos | Obrigações de curto prazo ou depósitos de 12 a 36 meses |
Mais de 3 anos | Ações |
Muito longo prazo | Ações e imobiliário |
As despesas de curto prazo devem ser cobertas com produtos de capital garantido ou até mesmo cash. Por exemplo, um aluno que necessite pagar as propinas da sua faculdade no prazo de 6 meses, não deve investir o montante das propinas em ações ou criptomoedas, pois corre o sério risco de ter perdido parte do seu capital à data do pagamento das propinas.
Despesas a médio prazo (1 a 3 anos) podem ser cobertas por depósitos dessa duração (tipicamente com taxas mais atrativas do que depósitos a 3 ou 6 meses) ou obrigações de curta duração (preferencialmente através de ETFs constituidos por obrigações de duração inferior a 3 anos).
Para despesas a horizontes temporais mais longos, como por exemplo um rendimento adicional na reforma, produtos como ações, imobiliário ou ouro devem também ser tomados em consideração, uma vez que estes ativos são aqueles que apresentam maiores rentabilidades históricas e a sua volatilidade de curto prazo não representa uma ameaça importante para o investidor. Contudo, mesmo para horizontes temporais de longo prazo, o investimento nestes ativos deve levar em consideração o perfil de risco do investidor e, quando necessário, ser completado com produtos de menor volatilidade (depósitos, obrigações e certificados de aforro ou do tesouro).
2. Alocação com base na idade
A alocação com base na idade ajusta o portfolio dos investidores aos objectivos inerentes às diferentes fases da vida:
Fase da vida | Capital já acumulado | Objectivo de investimento | Ativo que melhor serve o objectivo |
Juventude | Reduzido | Acumulação de riqueza | Ações |
Vida adulta e reforma | Substancial | Preservação do património | Obrigações (ou imobiliário) |
A fórmula utilizada para a alocação de ativos nesta metodologia é:
% do património em ativos de menor risco = Idade do investidor
Segundo esta fórmula, um jovem de 20 anos a começar a sua jornada de investimento deve alocar cerca de 20% do seu portfolio a ativos de menor risco, como obrigações, certificados do tesouro ou numerário, ficando os restantes 80% dedicados a ações. No outro lado do espetro, um profissional que se esteja a reformar aos 65 anos, tendo acumulado alguma riqueza ao longo da sua vida, deve alocar 65% dessa riqueza a ativos de menor risco, protegendo assim o nível de consumo futuro que já conseguiu acumular, deixando apenas 35% para ações.
Existem variações desta fórmula que permitem que investidores mais agressivos ou mais conservadores possam também utilizá-la. Por exemplo, um investidor mais conservador pode optar pela seguinte fórmula:
% do património em ativos de menor risco = Idade do investidor + 10
Neste cenário, o investidor conservador adiciona 10 pontos percentuais à sua idade sempre que analise a alocação de ativos do seu património. Assim, ao iniciar a sua jornada de investimento com 20 anos, o investidor conservador optaria por ter 30% do seu portfolio em obrigações (20 anos + 10%) e os restantes 70% em ações. Ao reformar-se com 65 anos, esse mesmo investidor ficaria com um portfolio 75/25 em vez de 65/35.
Do lado oposto, um investidor agressivo optaria pela seguinte fórmula:
% do património em ativos de menor risco = Idade do investidor – 10
Neste caso, o investidor agressivo de 20 anos começaria a sua jornada de investimento com apenas 10% do portfolio alocado a obrigações, ficando com 90% dedicado a ações.
De notar que, em todos os cenários, a alocação a ativos de risco deve descer 1% em cada ano:
Idade | Investidor conservador | Investidor moderado | Investidor agressivo |
20 anos | 70% | 80% | 90% |
30 anos | 60% | 70% | 80% |
50 anos | 40% | 50% | 60% |
65 anos | 25% | 35% | 45% |
3. Alocação com base nos objetivos financeiros
A alocação com base nos objetivos financeiros estima o montante de capital do qual o investidor necessitará para fazer face às suas despesas no longo-prazo (por exemplo, na reforma) e distribui os ativos do portfolio tendo por base dois inputs:
- As taxas de retorno de cada ativo
- A taxa de retorno que o investidor necessita por forma a fazer face às despesas estimadas
Assim, sabendo que um índice diversificado de ações mundiais tem uma rentabilidade média de 8%/ano e com yields de obrigações na casa dos 3.8%/ano, um investidor pode estimar que um portfolio 50/50 venha a ter um retorno médio de longo-prazo na ordem dos 5.9%/ano. Se um investidor necessitar, por exemplo, de um retorno anual de 5.0% para fazer face às despesas estimadas, um porfolio constituido em 30% por ações e 70% por obrigações terá uma estimativa de retorno anual em linha com as necessidades desse investidor:
Retorno médio anual do portfolio = 8.0%*30% + 3.8%*70% = 5.0%
4. Alocação com base num capital mínimo garantido
Na alocação com base num capital mínimo garantido, o investidor define um valor abaixo do qual o portfolio nunca deve estar e aloca a esse montante produtos de capital garantido – depósitos bancários, certificados de aforro e certificados do tesouro.
O montante de capital que exceda o capital mínimo garantido poderá depois ser aplicado em produtos com maior rentabilidade histórica, como obrigações, ações, ouro ou imobiliário, consoante o perfil de risco e horizonte temporal do investidor.
Assim, um investidor que disponha de um portfolio de 30.000€ e deseje que o mesmo nunca seja inferior a 10.000€ pode optar pela seguinte alocação de ativos:
Objetivo | Ativo | Montante |
Capital mínimo garantido | Depósito à ordem | 2.000€ |
Capital mínimo garantido | Certificados do Tesouro | 8.000€ |
Rentabilidade | ETF de ações | 15.000€ |
Rentabilidade | ETF de obrigações | 5.000€ |
A alocação com base num capital mínimo garantido pode ser uma boa opção para investidores que necessitem da segurança de dispor sempre de um dado montante de capital, mas que desejem ao mesmo tempo obter rentabilidades superiores às dos depósitos e certificados de tesouro com algum do dinheiro que seja excedentário face às suas necessidades mínimas.
Reequilíbrio do portfolio (Rebalancing)
Ao longo da nossa jornada de investimento, as diferentes taxas de rentabilidade de cada produto farão com que a alocação de ativos do nosso portfolio se desvie da alocação originalmente definida por nós como a mais adequada. Vejamos o exemplo de um investidor de 30 anos, com um portfolio inicial de 10.000€, que optou pela alocação com base na idade (30% obrigações e 70% ações) e que voltou a olhar para o seu portfolio alguns meses depois:
Ativo | Investimento incial | Alocação inicial | Taxa de rentabilidade | Valor atual | Alocação atual |
Obrigações | 3.000€ | 30% | +3% | 3.090€ | 33% |
Ações | 7.000€ | 70% | -10% | 6.300€ | 67% |
Total | 10.000€ | -6.1% | 9.390€ |
No exemplo acima, o rendimento negativo das ações fez com o que investidor tenha agora apenas 67% do seu portfolio alocado a esta classe de ativos, uma percentagem inferior ao seu objetivo de 70%. Isto pode significar que é altura de reequilibrar o portfolio.
O reequilíbrio do portfolio consiste em ajustar os pesos relativos dos ativos por forma a alinhá-los com a alocação definida como a mais adequada ao investidor. Existem duas formas comuns de o fazer:
- Reequilíbrio periódico
- Reequilíbrio com base nos pesos relativos dos ativos
Reequilíbrio periódico
No reequilíbrio com base num período de tempo, o investidor reequilibra periodicamente o portfolio para os pesos originalmente definidos. Se o reequilíbrio for definido como um ato anual, o investidor efetua o reequilíbrio a cada 365 dias. Se for um ato trimestral, fá-lo a cada 90 dias.
Assim, se o investidor do exemplo acima tivesse optado pelo reequilíbrio trimestral do seu portfolio e o exemplo em questão fosse referente ao final de um trimestre, o investidor iria reduzir em 3 pontos percentuais (de 33% para 30%) a sua exposição a Obrigações e utilizar o montante libertado para investir em ações. Isto pode ser feito através da venda do ativo cuja alocação está acima da definida (neste caso, obrigações) ou através da utilização de novos capitais (como por exemplo, salário recebidos durante o trimestre).
No reequilíbrio com base num período de tempo, o investidor nunca venderá ativos a meio do período temporal (ano ou trimestre) para efeitos de reequilíbrio do portfolio.
Reequilíbrio com base nos pesos relativos dos ativos
No reequilíbrio com base nos pesos relativos dos ativos, o investidor define alocações mínimas e máximas para cada produto, que desencadeiam automaticamente o reequilíbrio do portfolio. Esses intervalos podem consistir numa diferença absoluta ou relativa face à alocação de ativos ideal.
Vejamos o exemplo de um investidor com um portfolio de Ações, Obrigações e Ouro que utiliza esta metodologia para reequilibrar o seu património:
Ativo | Alocação alvo | Alocação mínima | Alocação máxima |
Obrigações | 25% | 20% | 30% |
Ações | 70% | 60% | 80% |
Ouro | 5% | 3% | 7% |
Total | 100% |
Neste cenário, o investidor alocaria inicialmente o seu capital com base na alocação alvo (25%-70%-5%) e só efetuaria vendas para reequilíbrio do seu portoflio quando algum dos ativos fosse além da alocação máxima permitida (30%, 80% ou 7% no exemplo acima). O capital libertado por essas vendas seria utilizado para reforçar o ativo cuja alocação atual estivesse mais distante da alocação alvo. Também novos capitais, como poupanças mensais, seriam sempre utilizados para reforçar os ativos com alocação atual mais distante da alocação alvo.
O reequilíbrio com base nos pesos relativos dos ativos permite maior controlo da composição do portfolio face ao reequilíbrio periódico, mas o investidor deve levar em conta o impacto dos custos de transação e impostos de mais valias no momento de escolher a estratégia de reequilíbrio mais adequada às suas circunstâncias.
Conclusão
A alocação de ativos é uma decisão extremamente importante na nossa jornada de investimento e deve ser a primeira e mais ponderada decisão que tomamos. A escolha clara da alocação alvo e da metodologia de reequilíbrio do portfolio, quando respeitadas pelo investidor, permitirão eliminar ou reduzir substancialmente muitos dos erros comportamentais que mais prejudicam os nossos portfolios.
Existem várias formas de decidir como alocar e reequilibrar ativos. A alocação de ativos é uma escolha pessoal, que deve estar alinhada com as nossas necessidades de investimento e perfil de risco. Não existe uma metodologia de alocação considerada superior. A melhor metodologia é aquela com que nos sintamos mais confortáveis e que sejamos capazes de respeitar ao longo de décadas de investimento.
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